Boiteux & Almeida Advogados Associados

Dissolução irregular das sociedades empresárias

     A dissolução tem início com uma causa de dissolução, que não extingue a sociedade – nem como contrato, nem como organização –, mas dá início ao processo de liquidação. A sociedade dissolvida continua a operar, apenas para ultimar os negócios pendentes. O processo de liquidação consiste na realização do ativo em dinheiro e no pagamento do passivo. Ultimada a liquidação, se sobrar um resto – o chamado acervo social líquido –, ele é partilhado entre os sócios. 

     Dissolução irregular. A liquidação irregular do patrimônio da sociedade, no mais das vezes denominada “dissolução irregular”, é o procedimento pelo qual os sócios ou administradores paralisam a atividade social e alienam ou repartem os ativos da sociedade entre si, sem pagar os credores. Esse ilícito gera responsabilidade pessoal e ilimitada dos seus participantes pelos prejuízos causados a terceiros, entre os quais se inclui o Fisco.

     A noção de dissolução irregular não cabe em um conceito: ela se forma por exclusão dos requisitos da dissolução regular, ou seja, pela contrariedade aos deveres a serem cumpridos pelos administradores quando da dissolução da sociedade.

     Na hipótese mais comum, apenas os administradores são responsabilizados pessoalmente por esses atos, mas são igualmente responsáveis os sócios que se beneficiarem de parcelas do patrimônio da sociedade liquidada irregularmente. 

     Consoante a Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. 

     Essa presunção vinha sendo interpretada no sentido de permitir a desconsideração da personalidade jurídica sem exigir do credor a prova cabal de que teria ocorrido confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a presunção afirmada por essa Súmula só se aplica à execução fiscal; nos demais casos: “a dissolução irregular caracteriza, no máximo e tão somente, mero indício da possibilidade de eventual abuso da personalidade, o qual, porém, deverá ser devidamente demonstrado pelo credor para oportunizar o exercício de sua pretensão executória contra o patrimônio pessoal do sócio”.

     O Superior Tribunal de Justiça esclareceu o alcance da sua Súmula 435, demonstrando que a presunção de dissolução irregular não pode ser aplicada indiscriminadamente, mas depende de certos requisitos, como o exame das razões da suposta dissolução e o elemento subjetivo da conduta dos sócios. 

     A presunção de dissolução irregular também é relativa (juris tantum), segundo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça; portanto, essa presunção pode ser afastada pela chamada prova em contrário.

     De outro lado, a suspensão das atividades sociais no local da sede nem sempre decorre da dissolução irregular das sociedades, pois a paralização das atividades pode ser temporária, causada por dificuldade momentânea. Nesse caso, caberá aos administradores afastar a presunção de que eles tenham se apropriado dos bens sociais.

     A prova pode estar amparada em demonstrativos contábeis idôneos e aptos a demonstrar o exaurimento dos bens sociais no pagamento dos credores cujos créditos sejam anteriores ao pretendido pelo credor que pretende a desconsideração. Caso a sociedade tenha alienado parte ou até mesmo a totalidade de seu patrimônio por ocasião do encerramento das atividades, para pagar dívidas, ela deverá manter registros contábeis regulares que reflitam essas operações, bem como a destinação dos recursos.

      A alteração do local da sede da sociedade também não justifica a presunção da sua dissolução irregular, se provada a sua regularidade. A dificuldade de registro da alteração também pode decorrer de greve dos servidores públicos, que pode impedir o registro no prazo, sendo que o Superior Tribunal de Justiça pacificou, há muito tempo, o entendimento de que o particular não pode ser prejudicado pela greve dos servidores públicos. 

     Da responsabilidade dos administradores que praticaram o ato de dissolução não se deduz a responsabilidade daqueles que haviam se afastado da administração anteriormente. Aqueles que se retiram não estabelecem relações jurídicas com os que ingressam, e a manifestação de vontade desses últimos não se soma a dos primeiros; portanto, a responsabilidade de cada um deles deve ser examinada separadamente. 

      A falência é causa de dissolução regular da sociedade, mas ela não pré-exclui a responsabilidade do administrador “acaso comprovada a prática de atos com excesso de poderes ou infração da lei”, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça.

Este artigo foi preparado com propósito meramente informativo; não pode ser tratado como aconselhamento legal e as informações nele contidas não devem ser seguidas sem orientação profissional.