Boiteux & Almeida Advogados Associados

Liminar suspende novas regras de atestados médicos

O empregado pode se ausentar do trabalho, sem prejuízo do recebimento integral do salário, por motivos de saúde, acompanhamento de familiar em atendimento médico e realização de consulta e/ou exame médicos, desde que observados os requisitos previstos na legislação trabalhista. O empregador pode solicitar atestado médico ou outro documento aplicável para comprovação da ausência justificada, que deve ser apresentada pelo empregado no prazo legal. 

É um problema antigo e conhecido a utilização de atestados médicos falsos, inclusive nas relações de trabalho. Caso o empregador tenha dúvidas fundadas sobre a idoneidade de atestados médicos, pode encaminhar o empregado para uma nova consulta com o médico contratado pela empresa. Se for constatada falsificação do documento, o empregado pode ser dispensado por justa causa, além de poder responder por outras penalidades legais aplicáveis. 

O Conselho Federal de Medicina – CFM publicou novas regras para emissão de documentos médicos, visando garantir maior segurança e coibir fraudes. Porém, as normas foram suspensas por decisão judicial. Entenda o teor da regulamentação e o motivo da sua suspensão da sua aplicação. 

Novas regras aplicáveis aos documentos médicos

O Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução n. 2.381, em 2 de julho de 2024, para estabelecer novos requisitos para os documentos médicos, o que abrange aqueles aplicáveis à relação de trabalho:

  • Atestado médico de afastamento: documento simplificado emitido por médico para determinados fins sobre atendimento prestado a um(a) paciente, no qual deve constar, além dos itens citados no art. 2º, a quantidade de dias concedidos de dispensa da atividade necessários para a recuperação do(a) paciente;
  • Atestado de acompanhamento: documento pelo qual o médico confirma a presença de um indivíduo que acompanha paciente à consulta ou a um procedimento, e deve deixar consignada a data de comparecimento, bem como a quantidade de dias.
  • Declaração de comparecimento: fornecida pelo setor administrativo de estabelecimento de saúde, assim como o atestado por médico, sem recomendação de afastamento do trabalho; pode ser um documento válido como justificativa perante o empregador, para fins de abono de falta no trabalho, desde que tenha a anuência deste. 
  • Atestado de saúde: documento médico solicitado pelo(a) paciente, no qual o médico afirma a condição de saúde física e mental do(a) paciente. Trata-se de documento com múltiplas aplicações, cujo conteúdo deve observar sua respectiva finalidade. São considerados atestados de saúde: atestado de doença, atestado para licença-maternidade e casos de abortamento, atestado de aptidão física, atestado para gestantes em viagens aéreas e outros afins. 
  • Atestado de saúde ocupacional (ASO): documento emitido por médico e definido pela Norma Regulamentadora 7, em conformidade com o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, no qual se atesta a aptidão ou inaptidão do(a) trabalhador(a) para o desempenho de suas atividades laborativas, nos termo Parecer técnico: documento expedido por médico especialista em área específica, de caráter opinativo, baseado na literatura científica, e quando na seara judicial fundamenta-se também nos autos do processo, em fatos, ou evidências, e na legislação aplicada; neste caso serão cobrados honorários pelo médico, quando em serviço privado. 
  • Laudo médico-pericial: documento técnico expedido por perito oficial e anexado ao processo para o qual foi designado, cujo roteiro se encontra na Resolução CFM nº 2.153/2016. 

De acordo com a nova regulamentação, os documentos médicos devem ter elementos mínimos para identificação do médico e do paciente. Ademais, é obrigatório ao paciente a apresentação de documento de identificação oficial com foto e indicação do CPF, incluindo pacientes menores de idade. 

Plataforma Atesta CFM

A Resolução CFM n. 2.382, de 6 de setembro de 2024, determinou a instituição da Plataforma Atesta CFM como sistema oficial e obrigatório para emissão e gerenciamento de atestados médicos, inclusive de saúde ocupacional, em todo território nacional, sendo aplicável para documentos físicos e digitais. 

Conforme estipulado no escopo da Resolução, os atestados médicos deverão ser emitidos obrigatoriamente pela plataforma Atesta CFM ou por sistemas integrados a esta, e preferencialmente de maneira eletrônica. Em caráter excepcional, será possível emitir documentos físicos, desde que seja para casos que necessitem da emissão de atestados em formato manual (papel), e deverão atender às premissas de rastreabilidade, autenticidade e validação equivalentes ao meio digital.

Além disso, as pessoas jurídicas privadas e públicas poderão se cadastrar na plataforma para ter acesso aos atestados médicos, que exigirá também pagamento para seu acesso. Assim, o empregador poderá ter acesso diretamente ao atestado médico do seu empregado. 

A nova regulamentação e o impacto da LGPD 

É importante lembrar que nos documentos médicos objeto da nova regulamentação há dados pessoais sensíveis do paciente por se tratar de informação referente à sua saúde. Dessa forma, é necessário observar os requisitos específicos quanto ao tratamento de dados sensíveis previstos na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD. 

A nova regulamentação estabelece regras especiais para o tratamento de dados dos documentos pelos médicos e estabelecimentos de saúde (hospitais, clínicas e laboratórios, por exemplo) na medida em que prevê:

  • Os dados pessoais do médico e paciente que devem constar nos documentos médicos;
  • A imposição de registro dos documentos na Plataforma do CFM; 
  • A obrigatoriedade de verificação da identidade do paciente.

Em caso de emissão de atestados em meio físico, o médico é legalmente responsável pelo seu registro na plataforma do CFM, além da guarda e uso correto das folhas de atestado médico. Se houver perda, extravio ou comprometimento da integridade das folhas, o médico deve registrar imediatamente o ocorrido na plataforma e adotar todas as ações necessárias para evitar o uso indevido das informações nelas contidas.

As pessoas jurídicas – sejam empresas ou entes públicos – poderão se cadastrar na plataforma para ter acesso aos atestados médicos dos seus funcionários, que está sujeita a pagamento para acesso ao sistema. Neste caso, é necessário coletar consentimento específico e destacado de acordo com modelo previsto pelo CFM. 

A resolução do CFM estabelece que o empregado não pode ser obrigado a assinar o termo de consentimento para o compartilhamento de atestados, devendo ter a opção de encaminhá-lo diretamente ao empregador. Considerando que há uma relação de subordinação entre empregado e empregador, como poderá haver consentimento livre e informado de fato para o compartilhamento de dados? Ademais, é questionável a competência do CFM para dispor sobre os requisitos do consentimento válido e eficaz, considerando que são aplicáveis outras legislações. 

É também preocupante a ausência de adequação à LGPD e ao Marco Civil da Internet da Plataforma Atesta CFM até a presente data, visto que:

  • Não há informação sobre os cookies coletados e a possibilidade de gestão das preferências pelo usuário, como determina a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD no guia orientativo sobre cookies;
  • Não há termos de uso para estabelecer as regras aplicáveis a médicos, pessoas jurídicas inscritas e pacientes;
  • Não há Política / Aviso de Privacidade para explicar o tratamento de dados pessoais, os direitos dos titulares, dentre outras informações necessárias para atender aos deveres de transparência e prestação de contas perante o titular de dados. 

A suspensão da aplicação das novas regras 

A Resolução CFM 2.382/2024, que institui a plataforma Atesta CFM entraria em vigor em 05 de novembro de 2024 e tornaria obrigatório o uso da plataforma Atesta CFM para emissão de atestados médicos a partir de 5 de março de 2025. 

O Movimento Inovação Digital – MID ajuizou ação anulatória para questionar a legalidade da plataforma. O juízo competente deferiu a medida liminar para suspender a aplicação da resolução até o julgamento do mérito da ação, pois:

  • o CFM não tem atribuição legal para impor o uso da plataforma Atesta CFM, o que implica em violação ao princípio da legalidade;
  • a obrigatoriedade da utilização da Plataforma criaria um monopólio em favor do CFM, prejudicando outros fornecedores de serviços semelhantes;
  •  a mudança abrupta causaria transtornos a médicos e pacientes que poderiam enfrentar dificuldades técnicas e operacionais até que se adaptassem;
  • por fim, apontou-se a preocupação em relação à segurança de dados, uma vez que a resolução não prevê garantias específicas para o armazenamento e o compartilhamento das informações dos pacientes, o que cria risco aos dados pessoais sensíveis relacionados à saúde dos pacientes.

Com a suspensão, a obrigatoriedade da plataforma está temporariamente suspensa, e os médicos podem continuar utilizando os métodos tradicionais de emissão de atestados, seja em meio físico ou outra plataforma digital da sua escolha.

Este artigo foi preparado com propósito meramente informativo; não pode ser tratado como aconselhamento legal e as informações nele contidas não devem ser seguidas sem orientação profissional.